Desafio Crucial na Vida de uma Criança – Luigi Benesilvi
(12/12/2021)
Meu pai tinha uma carpintaria em Arco Verde, então distrito da cidade de Garibaldi, no Rio Grande do Sul. Atualmente é distrito de Carlos Barbosa.
Na carpintaria havia várias ferramentas, algumas delas movidas pela força suprida por uma roda d’água. Uma dessas ferramentas era uma serra de fita (“serrafita”, com meu pai a chamava).

Um dia, enquanto estava na carpintaria vendo meu pai e meus irmãos mais velhos trabalharem, a serrafita se rompeu e tinha que ser levada ao serralheiro para ser consertada.
Isso foi lá por volta de 1953 e eu tinha uns 6 ou 7 anos de idade.
Meu pai perguntou se eu podia levar a serrafita no serralheiro e eu, corajosamente, respondi que sim.
Meu pai enrolou a serrafita, amarrou-a com uma corda, eu a pus a tiracolo e fui levá-la ao serralheiro, que ficava no outro lado da vila. De vez em quando os dentes afiados da serra feriam meus braços enquanto caminhava apressado.
Para chegar ao serralheiro havia dois caminhos, se pegasse o caminho da direita, eu teria que passar na frente do cemitério, coisa que eu temia muito ou eu podia pegar o caminho da esquerda, atravessar um campo, onde havia algumas vacas pastando, coisa que eu também temia. A vantagem do segundo caminho é que encurtava a caminhada.

Entre o medo das almas penadas e o desafio das vacas ferozes, com o conforto de caminhar menos, escolhi o caminho das vacas.
Tremendo de medo, levantei a cerca de arame farpado que circundava o campo e caminhei o mais rápido que podia, sem correr para não alertar a bicharada.

As vacas levantavam a cabeça do pasto, enfiavam as grossas e pegajosas línguas no nariz e me olhavam com seus enormes e esbugalhados olhos, como se quisessem engolir-me.
Algum tempo depois cheguei no serralheiro, que imediatamente soldou a serra e a devolveu para levá-la de volta à carpintaria.
Para voltar, eu tinha que tomar novamente outra decisão, se pegaria novamente o caminho das vacas ferozes ou voltaria pelo caminho das almas penadas.
Lembro ter pensado nas histórias que ouvia, de pessoas serem atacadas e feridas por vacas, bois e touros.
Por outro lado, as histórias que ouvia sobre pessoas atacadas por almas penadas, não falavam em ferimentos, mas apenas de pessoas que chegavam em casa muito assustadas.
Entre a ameaça real e a imaginária, optei por enfrentar a ameaça imaginária e passei na frente do cemitério.
Passei meio que correndo, sempre olhando para o cemitério, temendo que alguma alma penada saísse pelo portão ou passasse por cima do muro para me pegar.
Chegando à carpintaria, entreguei orgulhosamente a serrafita a meu pai e fui para casa pensando no meu ato de grande coragem.
A lição que aprendi naquele dia, ensinou-me a vida inteira, tanto na minha vida pessoal como na vida profissional, a avaliar os desafios e perigos de forma racional, distinguindo entre os perigos reais dos imaginários.

Sempre que tinha e ainda tenho que tomar uma decisão diante de um evento desafiador, avalio se a ameaça é real ou imaginária, além de outros itens, como:
Segurança; conforto, benefício, alternativas, urgência e emergência.
Nem sempre acertei, mas o número de acertos foi bem superior, tanto é que tive um certo sucesso pessoal e profissional, casei, criei meus filhos e agora curto meus netos e netas, tentando passar a eles algumas experiências que vivi.
Luigi Benesilvi
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NOTA
Lembrei dessa história ao ouvir meu neto de 7 anos falar sobre algumas coisas que teme e a vontade que tem em superar seus desafios, que atualmente se resumem em vencer em joguinhos eletrônicos, levantar cedo para ir à escola, fazer o dever de casa e outros desafios que as crianças dessa idade costumam enfrentar.
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Que história bem contada! Parabéns! Interessante a conversa com uma criança despertar a memória de um fato marcante. Forte sinal de frutos da sabedoria atuando.
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Não é escritor profissional , mas supera pela simplicidade e leveza das escritas. Me lembra do escritor e poeta Jibran Khalil Jibran (ou Jubran). Sempre a leitura de seus artigos é prazerosa.
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