Mensagem a Garcia – Elbert Hubbard

(22/10/2023)

Em todo esse caso cubano, um homem se destaca no horizonte de minha memória como o planeta Marte no seu periélio. Quando irrompeu a guerra entre Espanha e os Estados Unidos, em 1898, o que importava a estes era comunicar-se rapidamente com o chefe dos insurretos cubanos, o general Garcia, que se sabia encontrar-se em alguma fortaleza no interior do sertão cubano, mas sem que se pudesse precisar exatamente onde.

Era impossível comunicar-se com ele pelo correio ou pelo telégrafo. No entanto, o Presidente dos Estados Unidos tinha que tratar de assegurar-se da colaboração dele e isso o quanto antes.

 O que fazer?

Alguém lembrou ao Presidente:

“Há um homem chamado Rowan; e se alguma pessoa é capaz de encontrar Garcia, há de ser Rowan”.

Rowan foi trazido à presença do Presidente, que lhe confiou uma carta com a incumbência de entregá-la a Garcia.

De como este homem, Rowan, tomou a carta, meteu-a num invólucro impermeável, amarrou-a sobre o peito, e, após quatro dias, saltou, de um barco sem coberta, alta noite, nas costas de Cuba; de como se embrenhou no sertão para, depois de três semanas, surgir do outro lado da ilha, tendo atravessado a pé um país hostil e entregando a carta a Garcia – são coisas que não vêm ao caso narrar aqui pormenorizadamente.

O ponto que desejo frisar é este:  

O Presidente McKinley deu a Rowan uma carta para ser entregue a Garcia; Rowan pegou a carta e nem sequer perguntou: “Onde é que ele está?”

Aleluia!

Eis aí um homem, cujo busto merecia ser fundido em bronze imarcescível e sua estátua colocada em cada escola do país.

Não é de sabedoria livresca que a juventude precisa, nem instrução sobre isso ou aquilo. Precisa, sim, de um endurecimento das vértebras, para poder mostrar-se altivo no exercício de um cargo; para atuar com diligência, para dar conta do recado; para, em suma, levar uma mensagem a Garcia.

O General Calixto Garcia já não é deste mundo, mas há outros Garcias ainda por aí.

A nenhum homem que se tenha empenhado em levar avante uma empresa, em que a ajuda de muitos se torne necessária, tem sido poupados momentos de verdadeiro desespero ante a imbecilidade de grande número de pessoas, ante a inabilidade ou falta de disposição de concentrar a mente numa determinada coisa e fazê-la.

Assistência irregular, desatenção tola, indiferença irritante, e trabalho mal feito, parecem ser a regra geral.

Nenhuma pessoa pode ser verdadeiramente bem sucedida, salvo se lançar mão de todos os meios ao seu alcance, quer da força, quer do suborno, para obrigar outros homens a ajudá-lo, a não ser que Deus Onipotente, na sua grande misericórdia, faça um milagre enviando-lhe como auxiliar um anjo de luz.

Leitor amigo, você mesmo pode tirar a prova. Está sentado em seu escritório, rodeado de meia dúzia de empregados.

Pois bem, chama um deles e pede-lhe:

“Queira ter a bondade de consultar a enciclopédia e de me trazer uma descrição sucinta da vida de Corregio.”

Dar-se-á o caso do empregado dizer calmamente: “Sim, senhor” e executar o que se lhe pediu?

Nada disso!

Olhar-te-á perplexo e de soslaio para fazer uma ou mais das seguintes perguntas:

Quem é ele?

Que enciclopédia?

Onde é que está a enciclopédia?

Fui eu acaso contratado para fazer isso?

Não quer dizer Bismark?

E se o Carlos o fizesse?

Já morreu?

Precisa disso com urgência?

Não será melhor que eu traga o livro para que o senhor mesmo procure o que quer?

Para que quer saber isso?

E aposto dez contra um que, depois de haveres respondido a tais perguntas, e explicado a maneira de procurar os dados pedidos e a razão por que deles precisas, teu empregado irá pedir a um companheiro que o ajude a encontrar Garcia, e, depois voltará para te dizer que tal homem não existe. Evidentemente, pode ser que eu perca a aposta; mas, segundo a lei das médias, jogo na certa.

Ora, se fores prudente, não te darás ao trabalho de explicar ao teu “ajudante” que Corregio se escreve com “C” e não com “K”, mas limitar-te-ás a dizer meigamente, esboçando o melhor sorriso: “Não faz mal; não se incomode”, e, dito isto, levantar-te-ás e procurarás você mesmo.

E essa incapacidade de atuar independentemente, essa inépcia moral, essa invalidez da vontade, esta atrofia de disposição de solicitamente se pôr em campo e agir – são as coisas que recuam para um futuro tão remoto o advento do socialismo puro.

Se as pessoas não tomam a iniciativa de agir em seu próprio proveito, que farão quando o resultado do seu esforço redundar em benefício de todos?

Por enquanto, parece que as pessoas ainda precisam de ser supervisionadas.

O que mantém muitos empregados nos seus postos e os fazem trabalhar é o medo de, se não o fizerem, serem despedidos no fim do mês.

Ao anunciar que está recrutando um taquígrafo, e nove entre dez candidatos à vaga não saberão ortografar nem pontuar – e, o que é mais, pensam que não é necessário sabê-lo. Poderá uma pessoa destas escrever sequer uma carta a Garcia?

“Vê aquele escriturário ali”, dizia-me o chefe de uma grande fábrica.

“Sim, o que tem?”

“É um excelente escriturário. Contudo, se eu o mandasse fazer um recado, talvez se desobrigasse da incumbência a contento, mas também podia muito bem ser que no caminho entrasse em duas ou três casas de bebidas, e que, quando chegasse ao seu destino, já não se recordasse da incumbência que lhe fora dada.”

Será possível confiar-se a um tal homem uma carta para entregá-la a Garcia?

Ultimamente temos ouvido muitas expressões sentimentais, externando simpatia para com os pobres entes que mourejam de sol a sol, para com os infelizes desempregados à cata do trabalho honesto, e tudo isto, quase sempre entremeado de muita palavra dura para com as pessoas que estão no poder.

Nada se diz do patrão que envelhece antes do tempo, num baldado esforço para induzir eternos desgostosos e descontentes a trabalhar conscienciosamente; nada se diz de sua longa e paciente procura de pessoal, que, no entanto, muitas vezes nada mais faz que “matar o tempo”, logo que ele volta as costas.

Não há empresa que não esteja despedindo pessoal que se mostra incapaz de zelar pelos seus interesses, a fim de substituí-lo por outro mais apto. Esse processo de seleção por eliminação está se operando incessantemente, em tempos adversos, com a única diferença que, quando os tempos são maus e o trabalho escasseia, a seleção se faz mais escrupulosamente, pondo-se fora, para sempre, os incompetentes e os inaproveitáveis.

É a lei da sobrevivência do mais apto. Cada patrão, no seu próprio interesse, trata somente de guardar os melhores – aqueles que podem levar uma mensagem a Garcia.

Conheço um homem de aptidões realmente brilhantes, mas sem a fibra necessária para gerir um negócio próprio e que ademais se torna completamente inútil para qualquer outra pessoa, devido à suspeita insana que constantemente abriga de que seu patrão o esteja oprimindo ou tencione oprimi-lo. Sem poder mandar, não tolera que alguém o mande. Se lhe fosse confiada uma mensagem a Garcia, retrucaria provavelmente:

Leve-a você mesmo”.

Hoje esse homem perambula errante pelas ruas em busca de trabalho, em quase petição de miséria. No entanto, ninguém que o conheça se aventura a dar-lhe trabalho porque é a personificação do descontentamento e do espírito de réplica. Refratário a qualquer conselho ou admoestação, a única coisa capaz de nele produzir algum efeito seria um bom pontapé dado com uma bota de número 42, sola grossa e bico largo.

Sei, não resta dúvida, que um indivíduo moralmente aleijado como esse, não é menos digno de compaixão que um fisicamente aleijado. Entretanto, nesta demonstração de compaixão, vertamos também uma lágrima pelos homens que se esforçam por levar avante uma grande empresa, cujas horas de trabalho não estão limitadas pelo som da sirene e cujos cabelos ficam prematuramente encanecidos, na incessante luta em que estão empenhados contra a indiferença desdenhosa, contra a imbecilidade crassa e a ingratidão atroz, justamente daqueles que, sem o seu espírito empreendedor, andariam famintos e sem lar.

Dar-se-á o caso de eu ter pintado a situação a cores demasiado carregadas?

Pode ser que sim; mas, quando todo o mundo se apraz em divagações, quero lançar uma palavra de simpatia ao homem que imprime êxito a um empreendimento, ao homem que, a despeito de uma porção de empecilhos, sabe dirigir e coordenar os esforços de outros, e que, após o triunfo, talvez verifique que nada ganhou; nada, salvo sua mera subsistência.

Também eu carreguei marmitas e trabalhei como jornaleiro, como, também, tenho sido patrão. Sei, portanto, que alguma coisa se pode dizer de ambos os lados.

Não há excelência na pobreza de per si; farrapos não servem de recomendação. Nem todos os patrões são gananciosos e tiranos, da mesma forma que nem todos os pobres são virtuosos.

Todas as minhas simpatias pertencem ao homem que trabalha conscienciosamente, quer o patrão esteja, quer não. E o homem que, ao lhe ser confiada uma carta a Garcia, tranquilamente, toma a missiva, sem fazer perguntas idiotas, e sem a intenção oculta de jogá-la na primeira sarjeta que encontrar, ou praticar qualquer outro feito que não seja entregá-la ao destinatário, esse homem nunca ficará “encostado”, nem tem que se declarar em greve para forçar um aumento de salário.

A civilização busca ansiosa, insistentemente, homens nessas condições. Tudo que um tal homem pedir, se lhe há de conceder. Precisa-se dele em cada cidade, em cada vila, em cada lugarejo, em cada escritório, em cada oficina, em cada loja, fábrica ou venda. O grito do mundo inteiro praticamente se resume nisso:

Precisa-se, e precisa-se com urgência, de pessoas capazes de levar uma mensagem a Garcia.

Elbert Hubbard

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NOTA

Segundo palavras do autor, o artigo acima foi publicado despretensiosamente durante a guerra entre Estados Unidos e Espanha, que começou em 1898, na qual os americanos conquistaram a ilha de Cuba e outras possessões espanholas pelo mundo, inclusive as Filipinas.

O artigo alcançou sucesso impressionando e acabou sendo transformado em livreto e traduzido em centenas de idiomas.

Até algum tempo atrás, era muito usado por consultores de gerência eficaz, como exemplo de eficiência e eficácia.

Li esse livreto quando tinha 14 anos de idade e cuidava da biblioteca da fábrica onde trabalhava como aprendiz e fiquei muito influenciado pelo que está escrito nele.

Luigi Benesilvi

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