Somos Prisioneiros Cognitivos do Nosso Próprio Espaço Mental – Paulo Guedes
(05/06/2019)
A tese que eu vou apresentar é que nós somos prisioneiros cognitivos, para usar a linguagem do professor Douglas North, prêmio Nobel, é que nós somos prisioneiros do nosso próprio espaço mental; essa construção que criamos no Brasil, cuja tradução principal é que eu, como eleitor, não tenho um candidato em quem votar.
Eu não tenho candidatos em que votar há duas, três ou quatro eleições. Porque eu posso escolher o social reformista Ciro Gomes, social populista [Anthony] Garotinho, o social sindicalista Lula; os sociais democratas programáticos [José] Serra ou Fernando Henrique e assim por diante.
O Brasil é prisioneiro da armadilha cognitiva social democrata: baixo crescimento e desempenho econômico medíocre. Vou traçar aqui uma história curta de como nós produzimos essa prisão. Porque o Brasil foi um país, que no século passado, nos primeiros 70 ou 75 anos, foi economia que mais cresceu no mundo, com mais de 7% de crescimento anual, durante mais de setenta anos ininterruptos, à frente inclusive do Japão.
O Brasil foi atingido em pleno ar e fulminado pela quebra da dinâmica de crescimento do país e nós estamos prisioneiros dessa armadilha do baixo crescimento.
Essa história é relativamente curta e simples, ela começa no crepúsculo do governo militar, no qual houve uma centralização no Governo Federal, com os braços armados da intervenção federal, com as estatais Telebrás, Eletrobrás, Petrobras, Nuclebras, programa da ferrovia do aço, de 15 bilhões de dólares, o Programa Nuclear, com outros 15 bilhões de dólares, a rodovia Transamazônica, de 9 bilhões de dólares e gastos públicos excessivos.
Chegamos ao fim do crepúsculo do governo militar em meio a acusação de autoritarismo e corrupção. Lembrem que os militares, entraram com a ideia de tradição, pátria, defesa da moral e da ética e da própria liberdade, dizendo que devolveriam rapidamente o governo ao regime democrático civil, mas no final, saem do Palácio do Planalto pela porta dos fundos, literalmente. O General Figueiredo não transmitiu a faixa presidencial e saiu pela porta dos fundos do Palácio do Planalto.
A direita saiu desmoralizada e a esquerda ficou muito atraente. Faço aqui mais uma referência ao professor Douglas North sobre a eficiência do mercado político, ou você é de direita e, portanto, autoritário e corrupto ou você é de esquerda, a favor da democracia e da justiça social. Toda a população brasileira passou a ser de esquerda, porque houve uma falsificação cognitiva a respeito das alternativas possíveis.
E onde estavam os liberais democratas, que existem desde Atenas, com o livre mercado e democracia, que só foram expandindo os círculos de inclusão? O capitalismo é uma história de inclusões e não de exclusões. Aliás, os mais recentes habitantes que estão sendo incluídos são os três bilhões da Índia, da China, da Rússia e do leste europeu, que haviam provado a outra receita.
Onde estava essa tradição liberal democrata de mais de dois mil anos? De democracia de mercado, primeiro entre os gregos, derrotada pela Esparta autárquica e militarista na guerra do Peloponeso, dando início ao declínio da civilização grega, que não foi acidental.
O socialismo é um episódio relativamente recente na história humana, bastante sangrento pelas ações e reações que produziu, com duas guerras mundiais e mais de 120 milhões de pessoas mortas, em combates ou por torturas e repressões internas.
A sociedade aberta quase foi extinta no século passado, asfixiada pelos dois extremos. Com o socialismo e comunismo de um lado e pela reação nacional socialista do outro lado, uma delas representada pelo nazismo.
E onde estavam os democratas, favoráveis à democracia e economia de mercado? Os amigos da liberdade? Estavam sempre ameaçados pelos dois extremos. E não são conservadores, os que querem conservar. Os liberais nunca quiseram conservar.
Assistimos ontem a palestra sobre a sociedade de livre acesso, que é o que a democracia e o livre mercado têm feito.
O socialismo é então absorvido pela sociedade aberta, simplesmente como uma síntese de solidariedade, a única coisa aproveitável que sobrou do socialismo. Ele entra no lugar da religião, que ele sempre detestou. Entra no lugar do instinto da solidariedade.
Numa civilização global, há inseguranças e o indivíduo se sente desprotegido e precisa da tal rede de proteção social, fica então aquela falsa promessa de que o socialismo pode prover o que ele precisa.
As populações que se entregaram a essa busca, implodiram e estão tentando reingressar no capitalismo globalizado, sem encargos sociais, sem encargos trabalhistas e sem proteções, pedindo para serem incluídas no lado de cá.
O Brasil, uma sociedade politicamente fechada dos anos 1980, ficou tateando no escuro, procurando uma direção. “Se você é um democrata, está a favor do estabelecimento de um regime democrático e a favor da justiça social, junte-se a nós”.
E começou uma competição infernal de um mercado político ineficiente, porque ficou prisioneiro de uma mentalidade equivocada, obsoleta e passada. E aí nós assistimos um fascinante desfile de tragédias, nas três dimensões do nosso grande equívoco, que é essa armadilha social democrata.
Quais são as três dimensões?
A primeira dimensão são as disfunções financeiras. Então vamos examinar a história dos orçamentos dessas duas últimas décadas de democracia.
A primeira onda intervencionista ocorreu no regime militar, que elevou a dívida pública para 24% do PIB. E como vimos. Investindo em capitais físicos, instalações industriais, máquinas e equipamentos. O capital humano foi jogado para o lado, educação, saúde habitação, segurança, justiça. O que ficou foram as grandes empresas estatais e projetos federais.
No momento que o país foi aberto politicamente, a pressão social foi colossal para o resgate da dívida social. As tais desigualdades de oportunidades.
De um lado estavam os políticos inebriados pelo poder, finalmente alcançado com a abertura política. De outro lado estavam jovens economistas inexperientes, incultos, em busca da fama e do sucesso fácil, oferecendo soluções rápidas.
Tudo feito sem qualquer reforma do Estado. Sem explicitar esse conflito com a necessidade de reforma do Estado, que não foi feito até hoje. Vende-se uma receita fácil, é só congelar os preços, usar uma âncora cambial e fazer uma “tablita” de conversão, como foi o “Plano Cruzado”.
Foi uma falsificação da realidade. Foi uma maneira de permitir que a classe política gastasse mais, oferecendo uma solução inorgânica, disfuncional e falsa. Aquilo durou alguns anos de glória, depois implodiu e explodiu. O Brasil teve que ir para uma moratória externa, caçaram bois no pasto, perseguiram empresários e começou nossa tragédia financeira.
Saímos daquilo e fomos para outra disfunção, porque havíamos aprendido que não podemos usar a política monetária irresponsavelmente e nem dar calote externo. Então usaram a política monetária, com o Plano Real, bem concebido, interessante, porém também centrado num único instrumento. Os primeiros quatro anos do Plano Real, assistiram o valente Gustavo Franco defendendo sozinho a fronteira, cercado de índios por todos os lados, até o ataque final, no qual ele foi abatido também.
Por quê?
Porque não houve reforço. Houve déficit fiscal, nos quatro primeiros anos do Plano Real.
Fazer uma política de estabilização, sem reforma do Estado, sem transformações, só na base da política monetária, é como disse hoje o Afonso Bevilacqua, atual diretor do Banco Central, “é como fazer uma cirurgia de córnea com uma picareta”, que, aliás, ele está fazendo muito bem. Realmente a meta inflacionária vai ser atingida, porém a um custo elevado, porque ninguém mais trabalha.
A fórmula dos políticos é sempre essa: colocam meia dúzia de jovens valentes e eles vão fazer e defender o que foi combinado, enquanto o resto da gente não faz mais nada.
Essa tem sido a fórmula de defesa da classe política brasileira. É um espremedor de suco de jovens talentos. Eles são espremidos, um a um, viram suco e são usados e perpetuam os mesmos políticos lá em cima.
E eles vão oscilando e se a gente vai analisar essas disfunções claras, se gasta muito, porque primeiro você causa uma hiperinflação e se aprende, não podemos emitir moeda, então vamos emitir muita dívida, aí se causa quase um trilhão de dívida. São uns 500 bilhões de dólares. Dá uns três ou quatro Planos Marshal. Dá para reconstruir a Europa umas três ou quatro vezes. Isso foi o que gastamos para estabilizar a economia brasileira.
E nada está garantido, porque se o Banco Central ceder, fica tudo solto outra vez. É lamentável.
São disfunções financeiras, que na verdade são epifenômenos do mesmo mal, são sintomas epidérmicos do mesmo mal. O mal é um só: gastos públicos indo de 20% para 40% do PIB.
Isso tem também a dimensão política, é desmoralização de todo o espectro político brasileiro. Primeiro ficaram desmoralizados os partidos políticos de direita, fisiológicos, que apoiaram o regime militar autoritário e corrupto.
Agora vamos ver o que foi o PMDB, o grande campeão da liberdade, o PMDB do Dr. Ulysses e do Dr. Tancredo, da campanha pela [eleições] diretas. Entra lá o PMDB.
O que se transformou o PMDB depois de alguns anos de populismo e demagogia, com o Plano Cruzado e coisas desse tipo?
O PMDB se transformou em algo muito feio, porque saíram de lá alguns dissidentes e criaram o PSDB, em nome da ética. Em vez do Dr Ulysses, estariam lá Orestes Quércia e outros, que viram um partido de esquerda populista e fisiológico.
Então resolveram criar um doutrinário programático do PSDB e dois mandatos depois, com o mesmo crescimento econômico medíocre de 2,3%, o que, aliás, é a média do crescimento nos últimos 25 anos.
Ficou todo o mundo aborrecido porque em 2017 o crescimento foi de 2,5%. Não dá para entender o aborrecimento, porque há 25 anos o Brasil cresce 2,5%. Então por que tanta dor? Já era para estarem habituados.
É comovente a regularidade desse desempenho medíocre. De haver algo “sistemicamente” errado.
O PSDB é acusado e perde as eleições, em nome da ética, em nome da falta de transparência, por causa das privatizações no limite da irresponsabilidade e por causa da compra de votos para a reeleição e perde a eleição para outra esquerda, mais transparente e mais ética.
Agora nós assistimos pela televisão um “espetáculo de ética” e de “transparência” absolutamente “exemplares” para as novas gerações, para serem acompanhadas pelo mundo inteiro, como símbolo da nossa “transparência e ética das esquerdas, principalmente do PT [Partido dos Trabalhadores].
Ou seja, a desmoralização atingiu todo o espectro político. Será que é algo sistêmico? Se uma infecção chamada corrupção, atinge todo o espectro político, será que é algo genético?
Hipótese um: Seríamos nós brasileiros, geneticamente corruptos?
Hipótese dois: Será que é sistêmico, que o sistema político foi transformado numa feroz disputa por recursos. Se 40% do PIB são repartidos pela grande agência central, o governo, que comanda cerca de 40% do PIB, isso não deforma e corrompe a estrutura política? Vale tudo em qualquer acordo, desde que os políticos coloquem a mão em 40% do PIB?
Que tipo de exemplo isso transmite para a sociedade?
Opção 1: Se você é jovem, estude bastante, faça um curso superior e uma pós-graduação, trabalha mais cinco ou dez anos, quem sabe um dia você será alguém nesse mercado globalizado, com cinquenta milhões de desempregados.
Opção 2: Passe um verde-amarelo na cara, jogue meia dúzia de pedras em nome do impeachment e seja eleito prefeito de Nova Iguaçu, com fez o Lindberg lá no Rio de Janeiro. Não termine sequer o seu curso de direito e será um jovem simpático e rico, brevemente, porque a “profissão” é rentável e será um exemplo para a juventude do mundo inteiro.
Esses exemplos existem em todos os setores. Esse é apenas um exemplo da área política. Mas existem exemplos semelhantes em todos os setores.
Na área agrícola:
Opção 1: Se é um jovem simples e humilde, trabalhe bastante, faça um curso técnico, estude alguma coisa de agronegócio e quem sabe algum dia você será alguém.
Opção 2: Receba uma camiseta do MST [Movimento dos Sem Terra], pegue um caminhão-pipa, participe de uma passeata e jogue algumas pedras no laboratório da Aracruz e vocês logo será alguém. Você vai ter dinheiro garantido por esses 40% do PIB, aplicados no Brasil inteiro. Já existe a Universidade Rural, ensinando luta de classe e outras coisas do gênero. Esses exemplos estão se reproduzindo.
Empresarialmente é a mesma coisa.
Opção 1: Lute competitivamente no seu mercado e compita com oitenta milhões de brasileiros por uma fatia dele.
Opção 2: Vá a Brasília e consiga um contrato de fornecimento para o Exército ou outra entidade pública. Inclusive, se você for estagiário do INSS, em três semanas você pode conseguir um golpe de três milhões de reais. Se já tiver mais tempo de prática, 10 ou 15 anos, você pode fazer como a Georgina e conseguir uns cem milhões. Mas se for um estagiário talentoso, em três semanas você consegue três milhões, que já dá para começar a vida.
Esses exemplos estão se multiplicando, estão sendo dados e é essa carga de valores, que nós estamos transmitindo para as novas gerações.
Finalmente, vamos ver a terceira dessa dimensão da tragédia brasileira. A primeira foram as disfunções financeiras, a segunda é essa disfunção política e a terceira é a estagnação econômica.
É o Brasil parado, esperando reformas e alguém vem aqui pedir votos para “modernizar” o sistema de previdência.
E quem é o social democrata que tem coragem de dizer que quer mudar as relações de trabalho? Essa legislação trabalhista, obsoleta, anárquica, injusta e impeditiva da criação de empregos.
Porque da população economicamente ativa, 80 milhões de pessoas, cerca de 50 milhões não têm carteira de trabalho assinada, estão fora, estão excluídos porque perderam os empregos para os chineses.
E o câmbio é o sinal que está chegando. O que a China, o que a Índia estão mandando de sinais para nós sobre o sistema de mercados internacionais globalizados, é a seguinte informação:
“Vocês têm um pouco de minério, sentem em cima disso e deixem que geladeiras, sapatos e outros manufaturados a gente faz para vocês”.
Nós podemos assistir uma grande desindustrialização do Brasil em nome de uma economia de mercado. Nós não temos economia de mercado, nós não temos néo liberalismo, nós temos socialistas com cartão de crédito. É isso que temos no Brasil por vinte anos.
Hoje, o desafio da estagnação econômica, é que você está com uma bola de ferro na perna direita, pelo excesso de impostos, com uma bola de ferro na perna esquerda, pelos juros elevados e as mãos amarradas pelos encargos trabalhistas.
Aí vem alguém e diz: “Corre que os chineses vão te pegar”!
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NOTA
O texto foi transcrito da palestra proferida pelo Economista Paulo Guedes no XIX Fórum da Liberdade, em março de 2018.
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