Aplicação atual da crítica de George Orwell a Adolf Hitler em 1940 – David Wood

(27/04/2022)

George Orwell é a coisa mais próxima de um profeta que o ateísmo já produziu.

Todos amam “1984”, mas antes de “1984” e de “A Fazenda dos Animais”, Orwell escreveu livros e ensaios que você nunca ouviu falar.

O mais importante para esta discussão é que George Orwell escreveu uma crítica do livro de Hitler, “Mein Kampf” (Minha Luta) em 1940.

Naquela crítica, Orwell explica algo que tem sido muito confusa para muita gente. As pessoas têm imaginado como alguém como Adolf Hitler subiu ao poder num lugar como a Alemanha, terra de físicos e óperas.

Como uma nação tão ilustre acabou tendo Hitler como líder?

Orwell explica, chamando a atenção a um fato peculiar da natureza humana, que por alguma razão muita gente ainda não dá atenção. O interessante é que o fato dessa desatenção sobre a natureza humana pode nos ajudar a entender os problemas que nos envolvem atualmente.

Os Estados Unidos da América são a mais poderosa e mais próspera nação que o mundo jamais viu. E ainda assim, o que as recentes semanas mostraram é que muitos americanos querem queimar esse lugar completamente.

Por que isso acontece?

Vou deixar Orwell responder…

O último parágrafo de seu livro crítico é o parágrafo que quero focalizar. A crítica não é muito longa e o resto contém outros pontos interessantes, então acho que vou ler a coisa toda. É um pouco mais de 2 páginas.

É um sinal da velocidade em que os eventos estão se movendo que a edição expurgada de Hurst e Blackett do “Mein Kampf”, publicada só há um ano é editada por um ângulo pró-Hitler. (ORWELL)

Hurst e Blackett foi uma editora inglesa que publicou uma edição não expurgada do “Mein Kampf”, que não cortou as partes racistas e ofensivas.

A intenção óbvia do prefácio e notas foi de suavizar a ferocidade do livro e apresentar Hitler o mais amável e suave possível porque naquela época Hitler ainda era respeitado. Ele tinha esmagado o movimento dos trabalhadores alemães e por isso as classes de proprietários estavam propensas a perdoar quase tudo o que ele fazia. Tanto a esquerda quanto a direita tinham a superficial noção que o Nacional-Socialismo era meramente uma versão do conservadorismo. (ORWELL)

Novamente, essa crítica de Orwell foi escrita em 1940. A segunda guerra mundial começou em setembro de 1939. Antes disso Hitler ainda era respeitado mesmo na Grã-Bretanha. Tanto é que a edição britânica de “Mein Kampf” foi editada para mostrar Hitler numa luz favorável. Então, está aqui George Orwell, depois de iniciada a 2a guerra mundial dizendo, “não é interessante que apenas um ano atrás, gente na Grã-Bretanha estava defendendo esse sujeito?”

Então subitamente aconteceu que que Hitler não era tão respeitável depois de tudo. Como resultado disso, a edição de Hurst e Blackett foi republicada numa nova roupagem, explicando que todos os lucros seriam doados para a Cruz Vermelha. Essa foi a penitência deles. Todavia, nas simples evidências internas de Mein Kampf é difícil acreditar que qualquer mudança real tenha acontecido nos objetivos de Hitler e em suas opiniões . (ORWELL)

Então, Hitler não mudou em nada.

Como vamos de defendê-lo a desprezá-lo?

Quando a gente compara seus discursos de um ano ou um pouco mais, daqueles proferidos 15 anos antes uma coisa que atinge a gente é a rigidez do pensamento dele cuja visão do mundo não evoluiu. É a visão fixa de um monomaníaco e não muito afetado por temporárias manobras do poder político. Provavelmente, no pensamento próprio de Hitler o pacto russo-germânico representava não menos que uma alteração de seu cronograma.  (ORWELL)

O pacto russo-germânico, obviamente, foi um tratado entre russos e alemães que estabelecia a divisão da Europa Oriental e concordavam não se atacarem mutuamente. É normalmente chamado de pacto “Molotov-Ribbentrop“. Em “Mein Kampf”, os maiores inimigos dos alemães, estava escrito serem os Judeus e os comunistas.

Hitler iria combater os russos e ainda assim, em 1939, Hitler celebrou um pacto com os russos e decidiu focar primeiro na Grã-Bretanha. Hitler mudou seu pensamento? De jeito nenhum! Orwell esclarece que Hitler não muda suas ideias, Ele simplesmente altera seu cronograma.

O plano estabelecido no Mein Kampf era esmagar primeiro a Rússia, com a intenção implícita de esmagar a Inglaterra em seguida. Acontece que agora tratará primeiro da Inglaterra, porque pensava que a Rússia era o inimigo mais fácil de lidar. A vez da Rússia virá quando a Inglaterra estiver derrotada. Isso é, sem dúvida, como Hitler vê isso. Se acontecerá assim, é claro, será uma questão diferente. (ORWELL)

Orwell está tão certo que Hitler não muda de ideia que ele anuncia, em 1940, enquanto vigora um pacto de não agressão entre os russos e alemães, que Hitler vai atacar os russos. Em 2 de junho de 1941 a Alemanha invade a União Soviética. O objetivo é prover espaço vital para o povo alemão. Exatamente o que Hitler dizia muitos anos antes no “Mein Kampf”.

A coisa boa sobre as pessoas malignas que não mudam, é que mesmo sendo difícil de lidar com elas, pelo menos são previsíveis.

Suponha que o programa de Hitler fosse colocado em prática e que consequências teríamos, desde 100 anos, com 250 milhões de alemães cheios de “espaço vital”, estendendo-se até o Afeganistão e além. Seria um terrível império sem cérebro, no qual, essencialmente, nada aconteceria além do treinamento de jovens para a guerra e uma interminável criação de novas “buchas de canhão”. Como seria se ele tivesse conseguido implantar sua monstruosa visão? É fácil saber que em uma etapa de sua carreira, ele foi financiado por magnatas da indústria pesada que viram nele o homem que podia esmagar os socialistas e os comunistas. Eles não o teriam apoiado, entretanto, se ele já não tivesse criado um grande movimento político. A situação na Alemanha com seus 7 milhões de desempregados (11%), era obviamente favorável a demagogos. Mas Hitler não teria sido bem-sucedido contra seus muitos rivais, se não fosse pelo carisma de sua personalidade, que podemos sentir mesmo na leitura do desajeitado Mein Kampf e que é sem dúvida impressionante quando se ouve seus discursos. (ORWELL)

Agora, se você ler a versão online dessa crítica, aqui você vai ver os 3 pontinhos (…) as duas frases seguintes foram removidas porque eram muito embaraçosas para os fãs de Orwell.

Mas, se alguém devesse se opor à remoção de um pedaço da história seriam os fãs de homem que escreveu “1984”. Se você não é familiarizado com o livro “1984”, o personagem principal, Winston Smith, trabalha no Ministério da Verdade, onde sua tarefa é reescrever a história para alinhá-la à mais recente propaganda do governo.

Mas nós lemos a versão não expurgada da crítica de Orwell. Veja, que nós aprendemos uma nova palavra e então nós usamos a nova palavra Orwell declara: “Eu devo registrar que nunca consegui de desgostar de Hitler” (Ó, meu Deus!)

Desde que ele chegou ao poder até então, como quase todos, eu fui levado a pensar que ele não tinha importância eu refleti que eu teria certamente matado ele, se pudesse chegar até ele, mas não consigo sentir qualquer animosidade pessoal. (ORWELL)

Para ser justo. Nós sabemos coisas sobre Hitler que Orwell não sabia naquela época. Mas é muito interessante, que um gênio literário, que tinha uma admirável habilidade de entender como o governo controla e manipula a população, pode dizer apenas que ele próprio não consegue desgostar de um dos piores personagens da história.

Além disso, e está para ser mais assustador

“O fato é que existe algo que é profundamente apelativo a respeito dele A gente o sente novamente quando a gente vê suas fotografias e recomendo especialmente a fotografia do início da edição de Hurst e Blackett que mostra Hitler com sua antiga camisa marrom”. (ORWELL)

Esta é a fotografia que Orwell se refere. Essa é a edição de 1939 de Mein Kampf, na qual os editores tentam apresentar Hitler o mais favoravelmente possível.

É uma patética foto com cara de cão, o rosto de um homem sofrendo sob intoleráveis erros. Numa forma mais humana, reproduz a expressão de inúmeras imagens de Cristo crucificado e não há dúvida ser como Hitler vê a si próprio. A causa inicial de suas queixas contra o universo, só podem ser imaginadas, mas, em algum grau, as queixas estão lá. Ele é o mártir, a vítima, o Prometeus acorrentado ao rochedo o auto sacrificado herói que luta sozinho contra impossíveis adversidades. Se matasse um rato, ele saberia como fazer como se parecesse um dragão. A gente sente, assim como Napoleão, que ele está lutando contra o destino, que ele não pode vencer e assim mesmo merece vencer. A atração de tal posição, claro que é enorme, metade dos filmes que vemos trata desse tema”. (ORWELL)

Nós chamamos isso de “história do cão desprezado”. Hitler está determinado a combater o mundo inteiro. Ele não pode vencer, mas Orwell pensa que tem algo admirável sobre o fato dele querer dominar o mundo inteiro, porque ele é um louco viciado. Isso nos leva ao parágrafo final onde Orwell explica porque as pessoas admiraram Hitler.

Ele também se apropriou da falsidade hedonística atitude da vida. Todo pensamento ocidental, desde a última guerra, certamente todo o pensamento progressivo, assumiu tacitamente, que os seres humanos nada desejam além de facilidade, segurança e ausência de sofrimento. Em tal visão de vida não há espaço, por exemplo, para patriotismo e virtudes militares. Os socialistas, que encontram suas crianças brincando de soldados, ficam usualmente contrariados, mas não conseguem pensar num substituto para os soldadinhos de lata de alguma forma, eles não fabricam. Hitler, por causa de sua mente melancólica, sente isso como uma força excepcional. Sabe que os seres humanos não desejam apenas conforto, segurança, redução de jornada de trabalho, higiene, controle de natalidade e em geral, senso comum. Eles também, pelo menos intermitentemente, querem luta e auto sacrifício, sem mencionar tambores, bandeiras e paradas militares. Embora possam ser teorias econômicas, Fascismo e Nazismo, são psicologicamente, muito mais sonoros do que qualquer concepção de vida hedonística. O mesmo é provavelmente verdade. com a versão militarizada do Socialismo de Stalin. Todos os três grandes ditadores têm ampliado seus poderes pela imposição de intoleráveis opressões aos seus povos. Seja o Socialismo e até mesmo o Capitalismo, de maneira mais relutante, têm dito a seus povos “Eu ofereço a vocês um tempo agradável”. Hitler têm dito a eles, “Eu ofereço a vocês, luta, perigo e morte”, e como resultado, toda uma nação se lança aos pés dele. Talvez mais tarde se enjoem dele e mudem suas ideias, como ao final da última guerra. Depois de alguns anos de matanças e penúria, “Maior felicidade dos maiores números” é um bom lema, mas neste momento “É melhor um fim com horror do que um horror sem fim”, é o ganhador. Agora que estamos lutando contra o homem que o cunhou, não devemos subestimar seu apelo emocional. (ORWELL)

Pense sobre alguns desses pontos: “A falsidade da atitude hedonística da vida”, “A visão de que os seres humanos desejam simplesmente, facilidade, segurança, e ausência de sofrimento”. A visão de que apenas queremos conforto, segurança, menos horas de trabalho higiene, controle da natalidade e, em geral, senso comum.

Deveríamos enxergar um problema com essa visão da natureza humana, quando vemos crianças brincando com brinquedos. Meninos não gostam de brinquedos pacifistas ou brinquedos de estudantes colegiais sentadinhos em lugares seguros.

Em meus dias de criança, brincávamos com revólveres de brinquedo, “Comandos em ação”, “Transformers”, “He-Man”, “Thundercats” e “Ultron”. Todos os brinquedos eram sobre combate. Então, há uma parte importante da natureza humana, que ignora ou é reprimida por certas ideologias. É a parte de nós que deseja a luta e auto sacrifício, sem mencionar tambores, bandeiras e paradas de fidelidade, porque isso também é parte de nossa natureza.

Ideologias que conhecem essa parte de nós e tomam vantagem dela “são psicologicamente mais sonoros do que qualquer concepção hedonística de vida”.

O Socialismo e mesmo o Capitalismo, de forma mais relutante, têm dito ao povo “Eu ofereço a vocês um tempo agradável”. Hitler têm dito a eles “Eu ofereço luta, perigo e morte”. E como resultado, toda uma nação se prostra aos pés dele.

Note que aqui nos Estados Unidos, muito do conflito político de agora, tem a ver com Socialismo e Capitalismo. E a disputa é supostamente sobre qual das teorias econômicas vai prover o melhor resultado para a maior parte da população.

E se essa não é a maior razão real para a crise que está vindo?

E se o motivo real da luta sobre isso não seja de que muita gente está sofrendo e por isso precisamos de uma mudança?

E se o real motivo que lutamos sobre isso é que estamos todos muito confortáveis e por isso estamos procurando por uma luta?

Mencionei no começo que os Estados Unidos da América são a mais poderosa, a mais próspera nação que o mundo jamais viu. Pense no problema que isso cria O progresso é construído no tecido da nação. A nação é projetada para ser evoluída. Garantir os direitos do povo à vida liberdade e busca da felicidade. Garantir a liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade de protestar, liberdade de peticionar o governo, liberdade de escolher nossos líderes.

Essa é a receita para o progresso.

Você pode ter todas as causas de injustiças na sociedade, mas enquanto for permitido denunciar as injustiças e reportá-las, protestar e exigir mudanças e votar em líderes que façam as mudanças que você deseja, você pode ter constante progresso.

Pode começar pela escravização e acabar com a escravidão. Pode começar com mulheres não serem permitidas a votar e então mudar a lei. Pode haver segregação racial e então integração racial. Mas note o que acontece. Se a sociedade pode fazer progressos em lidar com essas maiores injustiças, então as injustiças contra as quais você luta, são constantemente sendo reduzidas.

Quanto mais coisas estiverem melhores, menos ficam para lutar contra. Mas continuamos querendo lutar. É parte de nossa natureza, então, temos que lutar em coisas menos importantes.

Como a nação mais poderosa do mundo, não temos uma significativa ameaça externa e temos que encontrar uma significativa ameaça interna. Se não podemos encontrar uma significativa ameaça interna, vamos amplificar uma insignificante ameaça interna, até que ela se torne a maior ameaça da história da humanidade.

Estávamos acostumados a lutar contra a escravidão e segregação e agora estamos lutando sobre uso errado do pronome de gênero.

Estávamos lutando contra nazistas matando Judeus em fornos crematórios, agora lutamos sobre o confeiteiro Cristão que não quer colocar no forno um bolo de casamento gay.

Se não encontramos um soldado real para combater, vamos lutar contra uma estátua de soldado.

Se não encontramos um crime de ódio real, vamos inventar um crime de ódio. Mas aconteça o que acontecer nós vamos lutar. Olhe em nossa volta…

Se Orwell estiver certo, existe uma parte de você que deseja que toda a luta termine, para que você siga vivendo confortavelmente, com uma economia crescendo. Mas tem também uma parte de você, que quer acompanhar qualquer um que promete esmagar a oposição.

Temos que ter consciência deste fato sobre nós, porque não existe carência de líderes que adorariam tirar vantagem disso.

David Wood

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NOTA

O texto acima foi extraído das legendas deste vídeo do Youtube, legendado por Luigi Benesilvi. O vídeo pode ser assistido e baixado neste link do Rumble, caso o Youtube venha a remover o vídeo. O vídeo original foi publicado no Youtube em 2020, época que nos EUA estavam no auge a destruição de estátuas de soldados e o ativismo sobre os direitos dos homossexuais.

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