Memórias da UTI de um paciente impaciente – Luison Beneres
(14/03/2022)
Quem se interna numa UTI, tem que se preparar para abrir mão de todas as suas vaidades, de boa parte de sua privacidade e de um bocado de sua dignidade.

QUARTA-FEIRA – 02/03/2022
Lá pelas 13 horas da quarta-feira de cinzas, dei entrada na UTI de um dos melhores hospitais do Distrito Federal, muito desidratado, de tanta diarreia e vômitos causados por uma infecção bacteriana severa.
Tiveram que trocar o acesso à veia do meu braço esquerdo, pois precisavam um de dupla entrada e o que foi colocado na emergência tinha só uma entrada. A moça foi hábil e conseguiu trocar o acesso sem precisar fazer outro furo na veia.
Já estava recebendo vários medicamentos via intravenosa prescritos pela médica que me tratou no pronto-socorro lá pelas 9 horas da manhã.
De cara percebi que aquela imagem de uma enfermeira com o dedo na frente da boca, fazendo o sinal de silêncio não expressava a realidade.
Havia muito barulho de sinetas, campainhas, alarmes, sirenes, repiques, bipes de monitores, além de alguém assistindo a TV Globo em volume muito alto.
A enfermeira explicou que a paciente tinha algum problema auditivo, por isso assistia com volume tão alto. Prontificou-se a ligar a TV da minha baia, se em quisesse.
Pensava que quem entrava na UTI tinha que usar algum tipo de protetor no corpo, nos pés e na cabeça, mas isso não aconteceu.
Lá pelas 16 horas, uma amiga nossa, que mora perto do hospital, veio me visitar e logo depois vieram minha esposa e meu filho, um de cada vez. Entraram como vieram da rua, sem quaisquer ações protetoras.
Às 17h30 trouxeram uma refeição, que mal consegui tocar.
No início da noite procurei a campainha para chamar a atendente, mas não encontrei. Chamei alguém que passava para pedir à minha atendente para vir ao meu leito.
Ela chegou pouco depois e perguntei onde estava a campainha. Ela disse que não havia, pois quaisquer problemas do doente apareciam nos monitores lá na secretaria e se eu precisasse de alguma coisa bastava só pedir a alguém que passava para chamá-la.
Pedi para ir ao banheiro e a atendente me trouxe um “papagaio”, um recipiente para homens urinarem. Disse que não tinha certeza se só iria urinar.
Relutantemente ela desligou os tubos e fios dos meus braços e peito e fui ao banheiro. Escovei os dentes e urinei um pouco. A micção estava sendo muito difícil e dolorida. A urina parecia estar queimando a uretra.
Lá pelas 23 horas alguém trouxe um medicamento para ajudar-me a dormir, dizendo que o barulho continuaria durante toda a noite.
Passei a noite dormindo algumas dezenas de minutos por vez, pois vinham com frequência trocar os medicamentos, que injetavam na minha veia. Depois soube tratar-se de soro, antibióticos, remédios para proteção do estômago e para evitar enjoos e outras coisas.
Os exames indicaram que eu não tinha Covid.
Eu não tive febre e estava lúcido e com bom raciocínio, mas meu controle emocional ficou bastante fragilizado.
Aliás, o controle emocional foi a primeira coisa que foi pro brejo, no meu caso.
QUINTA-FEIRA – 03/03/2022
De manhã trouxeram o desjejum leve, do qual forcei-me a comer um pouco, pois estava sem vontade alguma de comer.
Aquela imagem da UTI imaculadamente limpa também foi abalada, quando vi uma barata saindo da baia três e vindo em direção à minha baia. Alertado por mim, um rapaz veio e esmagou o bicho bem ao lado da minha cama e foi embora. Lá ficou a barata estendida no chão.
Quando minha atendente chegou, pedi para ela levar a barata embora e ela disse que não tinha barata algum ao lado de minha cama. Insisti que procurasse e ela a encontrou em baixo da cama. A danada tinha rastejado para salvar-se. Pegou o bicho e jogou no lixo. Pedi para mandarem alguém limpar e higienizar o chão, mas não fui atendido. Cada vez que descia da cama tinha que desviar do local da barata morta.
Já mais habituado com o ambiente, fiz mentalmente o desenho da minha região da UTI.

Eu ocupava a baia 7. Na baia 5 ficava a mulher que ligava na TV Globo às 6h30 da manhã e ficava com ela ligada em alto volume até depois da meia-noite.
Na baia 3 ficava um cara moreno, magrinho, intubado, que quase não se mexia. Na baia 8 ficava o Zé Luiz, que também não fazia barulho algum. Na baia 6 nunca soube quem estava lá ou se estava vazia.
A baia 4, bem na frente da minha, era ocupada por um cara chamado William, que resmungava e xingava o tempo todo.
Recebi a visita de minha esposa, meu filho e minha nora, um de cada vez. Minha nora sugeriu fazerem escala para ter sempre alguém presente comigo na UTI, para ajudar-me, mas não concordei. Achei que não seria útil e tiraria todos eles da rotina diária de trabalho. Achei mais conveniente virem minha esposa e meus filhos, apenas como visitantes. Como eu estava consciente e lúcido, podia cuidar das coisas na UTI
Colocaram mais um tubinho que chamavam de “reposição”, neste caso era de potássio, mas desde o primeiro dia tinha sempre reposição de algum sal mineral. Fósforo e Potássio eram repostos pelo fosfato de potássio (KH2PO4). A reposição dura mais de 4 horas e pode ser necessário repeti-la, se uma aplicação não for suficiente. Ardia um pouco.
Pensava que na UTI havia monitoramento constante dos sinais dos pacientes, mas o que me aconteceu a seguir mostra que não é bem assim.
Como a primeira reposição de potássio não foi suficiente, lá pelas 22 horas fizeram outra, desta vez com vasão de 40 ml/h. A moça colocou o tubo e foi embora. Passados uns 10 minutos minha frequência cardíaca foi a 160 batidas, mas ninguém apareceu para ver o que tinha acontecido.
Dei uns gritos e apareceu a atendente, que imediatamente pausou a reposição e ligou para o médico. Ele veio e mandou baixar a vazão para 15 ml/h e foram todos embora.
Alguns minutos depois minha frequência foi novamente para 160 batidas. Dei uns gritos e pausaram a reposição. Ligaram para o médico, mas não o vi mais naquela noite. Pode ser que eu tenha dormido quando ele veio ver-me. A reposição de potássio foi suspensa, com minha taxa abaixo do mínimo necessário para liberação da UTI.
O pior é que eu, que nunca tinha assistido o BBB, tive que ouvir todo o programa e parece que era dia de troca de líder. Foi brabo!
De madrugada ouvi a voz de uma mulher andando pelo corredor gritando “socorro!” “socorro!” “socorro!”
Quando vieram trocar os remédios disseram que a mulher não se conformava com as condições impostas a ela na UTI. Havia removido os aparelhos conectados a seu corpo e saíra da cama em busca de ajuda.
Pelas condições precárias de atendimento às necessidades dos pacientes, entendo muito bem o desespero da mulher.
Às vezes ficava muito tempo sem passar qualquer pessoa na frente da minha baia e com a inexistência de campainha para chamar a atendente, batia o desespero mesmo.
Ao ficar muito tempo parcialmente imobilizado, deitado de barriga para cima, o corpo não consegue achar um jeito confortável de ficar deitado, daí a vontade de remover os aparelhos, sair do leito e dar uma caminhada para aliviar as dores nos membros e costas.

SEXTA-FEIRA – 04/03/2022
Na sexta de manhã, uma médica veio ver-me e disse que meus indicadores estavam evoluindo bem, exceto o potássio, mas que se melhorasse um pouquinho ela liberava minha saída da UTI.
Lá pelas 10 horas, a médica, acompanhada de outro médico, que depois disseram ser o “médico rotineiro”, passavam por todas as baias e discutia como estava a situação de cada paciente.
Chegando na minha baia, a médica explicou a ele a dificuldade da reposição de potássio via intravenosa. Ele a orientou a usar o xarope oral de fosfato de potássio para contornar a situação. Alertou-me que o gosto do xarope era muito ruim.
A médica disse que iam coletar uma amostra extra de urina para ver alguma coisa que não entendi para que era. Soube que meu indicador de potássio estava em 3,2 e teria que chegar a 3,5.
Mais tarde trouxeram um copinho com um pó dissolvido em água, dizendo ser cloreto de potássio (KCl), que tomei de um gole só. O gosto não era ruim, como o médico rotineiro havia me alertado, pois não era o xarope de fosfato de potássio.
Havia coleta de sangue todas as noites e, às vezes, durante o dia.
Lá pelas 22 horas pedi para ir ao banheiro e um recipiente para coletar a urina para o exame solicitado pela médica. A atendente disse que não sabia da coleta de urina e nem onde podia obter o recipiente. Fiz algum tumulto e o recipiente apareceu.
Chegando ao único banheiro da UTI, estava ocupado. Disseram que só tinha um porque quase todos os pacientes usavam fraldas, trocadas uma vez às 10 da manhã e outra vez lá pelas 22 horas.
Esperei um tempão, até que saiu do banheiro um cara de mais de 150 quilos arrastando um cilindro de oxigênio, caminhando com ajuda de uma atendente.
Pensava que os banheiros eram higienizados toda a vez que saia alguém de lá, mas isso não aconteceu.
Antes de sentar-me, notei que o vazo não estava limpo e apertei a descarga. A água subiu e não baixou. Quase transbordou o vazo. Havia restos das fezes do meu antecessor.
Chamaram a manutenção, mas eu não ia conseguir aguentar até arrumarem o vazo e pedi para ir para outro banheiro. Disseram que só tinha esse. Perguntei se não podia usar o dos funcionários, mas negaram. Alguém lembrou do banheiro dos pacientes isolados, mas disseram que não dava para ir lá, porque estava internado um cara que tinha matado a esposa e tentado o suicídio, por isso estava acompanhado por um policial armado.
Ameacei sair pelo hospital até achar um banheiro, quando alguém disse que talvez tivesse um banheiro na outra UTI do andar de cima. Subimos uma escadinha em caracol usada pelos funcionários e chegamos ao banheiro da outra UTI.
Sentei no vazo e tremi. Não tinha papel higiênico. Fui para a porta e gritei pelo papel. Disseram que a moça que cuidava disso já tinha ido embora. Esperei tremendo mais de 5 minutos até que trouxeram um pacote de toalhas úmidas.
Fiz o que tinha que fazer e voltei para a minha baia, com o recipiente cheio de urina.
Na aplicação dos medicamentos das 22 horas constataram que meu braço esquerdo estava inchado e inflamado. Disseram que o acesso à minha veia estava obstruído e tiveram que passá-lo para o braço direito. O procedimento é um pouco doloroso.
Quando vieram buscar a urina reclamaram que não estava identificada. Houve alguma negociação e a pessoa levou a urina junto com a amostra de sangue coletada todas as noites.
A atendente estava braba comigo, porque ela estava acostumada com pacientes que obedeciam a rotina, do jeito dela.
Foi noite de BBB. Parecia que estava na plateia ouvindo a balbúrdia do programa.
A sexta-feira terminou.
Passei quase toda a noite dormindo alguns minutos por vez.
Além do incomodo dos acessos à veia, cada vez que fechava os olhos “enxergava” uma porção de rostos de características mutáveis, cor de sangue, que se contorciam e se distorciam.
Tinha que abrir os olhos para não ficar impressionado.

SÁBADO – 05/03/2022
Descobri que o período mais perigoso para ter uma crise fica uns 15 minutos antes e de depois da troca de turnos. O pessoal que está saindo já com a mochila nas costas, ia passando o serviço para o pessoal que está entrando. Como sãos uns 20 leitos, há alguma demora na rotina.
Aí o William teve azar. Às 7 horas da manhã ouvi um tumulto na baia da minha frente, que não consigo enxergar, porque prefiro ficar com a cortina fechada, para preservar um pouco minha privacidade.
Pelo que entendia, o William teve uma hipoglicemia severa e estava desmaiado. Ouvi que aplicavam substâncias nele para despertá-lo, mas não dava resultado.
Lá pela 7h20 ouvi o grito de “está sem pulso!” e acionaram o alarme. William tinha sofrido uma parada cardiorrespiratória. Ouvi uma correria, vozes de comando, massagens cardíacas, contagem de tempo, fila para massagem. Depois de uns 20 minutos ressuscitaram o William.
Todo o mundo relaxou. Os do turno que saia foram embora. Outros foram tomar café ou visitar seus pacientes.
Lá pela 8h30 nova gritaria. William tinha sofrido outra parada cardiorrespiratória e o procedimento foi iniciado e executado.
Lá pelas 9h40 William voltou novamente, só que desta vez foi intubado e colocado no respirador mecânico.
Às 20 horas William não resistiu e foi embora. Às 21 horas trouxeram um caixão de alumínio e levaram o corpo dele.
A baia ficou vazia.
Soube depois que o William tinha estado na UTI algumas semanas atrás, com insuficiência cardíaca, pneumonia e que sofria de diabetes.
Teve alta da UTI e ficou alguns dias num apartamento. Como o estado dele piorou, teve que voltar para a UTI. Entendi porque ele estava tão contrariado, xingava e resmungava tanto.
Zé Luiz, o cara da baia 8, no meu lado esquerdo, teve alta de UTI e foi para um apartamento. A baia ficou vazia.
Na aplicação dos medicamentos da tarde constataram que o acesso à minha veia do braço direito estava obstruído e tiveram que passá-lo para o braço esquerdo novamente, desta vez numa veia do pulso.
A mulher da Globo ficou com a TV desligada durante todo o dia.
Perto da meia-noite trouxeram uma senhora de 93 anos, com câncer terminal. Colocaram-na na baia 8, que era do Zé Luiz. Chamavam ela de vovozinha. Chorou e gemeu a noite toda. Às vezes ouvia ela falar: Mãezinha! Mãezinha! Me ajude!
Costumava estabelecer metas de ficar sem mexer-me ou sem ir ao banheiro, controlando o horário num grande relógio pendurado no lado esquerdo da baia.
DOMINGO – 06/03/2022
Além de quase não ter conseguido dormir, por causa dos gemidos da vovozinha, o dia começou difícil.
Minha atendente chegou atrasada. Falou que estava com o filho muito doente e a fizeram vir trabalhar assim mesmo. Fiquei com dó dela. Avisou que ia dar prioridade à vovozinha da baia 8 e que não ia poder vir muitas vezes na minha baia.
Lá pelas 8 horas da manhã chegou uma médica me desejando um melodioso e feliz bom dia. Perguntou como eu estava. Ela disse que tinha me acompanhado na sexta-feira e queria saber se eu tinha reposto todo o potássio.
Reclamei que ela tinha ficado de vir ao meu leito antes de sair para ver se dava para me liberar da UTI, mas tinha ido embora, sem falar comigo e sem ministrar-me o xarope de fosfato de potássio, que o médico rotineiro tinha sugerido.
Aí ela disse que tinha deixado a receita e que já estavam ministrando o medicamento.
Por acaso a atendente chegou e a médica mostrou o copinho dizendo ser o que havia sido combinado na sexta-feira com o médico rotineiro.
Falei para ela que eu tinha estudado química e que esse copinho era de CLORETO de Potássio e não de FOSFATO, além de não ser xarope e sim uma solução diluída.
Falei que ela estava tentando me “enrolar” e trocamos algumas palavras mais ríspidas e a vozinha suave dela se tornou bastante autoritária, dizendo mais ou menos isso.
“Já que o senhor quer saber mesmo, o senhor só vai sair daqui quando o índice de potássio chegar aos 3,5, como manda o protocolo!”
Respondi que, então, quem decidia ou não minha saída era o resultado do exame de sangue e não ela.
Agradeci, com ironia, a sinceridade e recostei-me na cama. Ela virou as costas e foi embora.
Mais tarde, na ronda dela com o médico rotineiro, chegaram à minha baia. O médico perguntou como eu estava e perguntou a ela como havia sido a aplicação do xarope de fosfato de potássio. Ela resmungou e não respondeu imediatamente. Eu falei que não haviam me dado o xarope.
O médico olhou para ela com olhos bem repreensivos. Ela balbuciou alguma coisa e baixou a cabeça.
Ele disse que ela iria aplicar o fosfato de potássio na veia, em vazão baixa, para evitar a repulsa e que ao final da aplicação eu seria liberado da UTI, independente o resultado do exame de sangue.
Pelo que entendi, meu índice tinha subido para 3,4 unidades no exame de sangue da noite anterior, um pouco abaixo do valor mínimo estabelecido. Era possível já ter chegado aos 3,5 agora de manhã.
Ele disse que, como eu estava evoluindo muito bem em todos os índices e que o do potássio evoluía apenas um pouco mais lentamente, não havia razão de manter-me na UTI.
Às 9h30 começou a reposição com fosfato de potássio, em 25ml/h, com previsão de subida se não houvesse reação. A previsão era terminar lá pelas 18 horas.
Minha esposa e meu filho chegaram logo em seguida e ficaram comigo até o meio dia, quando foram almoçar e buscar roupas para eu usar no apartamento. Minha esposa passaria a noite me ajudando no apartamento.
Lá pelas 16 horas a vazão foi aumentada para 30 mil/h para acelerar a reposição. Não houve problemas.
A atendente observou que minha pressão havia subido um pouco e foi falar com a médica.
Voltou dizendo que tinham estabelecido que ao final da reposição retirariam sangue, mandariam para o laboratório e só depois do resultado eu seria liberado. Falou que seria tarde da noite. Não entendi porque ela falou isso.
Do nada me ofereceu um copinho cheio de líquido, sem dizer o que era. Peguei o copo e perguntei o que continha. Respondeu ser um líquido para higienizar a boca. Fiz a higiene bucal, cuspi o líquido de volta ao copo e fiquei me perguntando porque ela fez isso. Essa foi a única vez que trouxeram um líquido para higienizar a boca. Eu sempre ia escovar os dentes no banheiro.
Será que ela esperava que eu pensasse ser um remédio e engolisse o líquido, causando-me um distúrbio gástrico, que alterassem meus sinais vitais e me obrigariam a ficar na UTI?
Lembrei de ter lido casos de atendentes de UTI que negligenciavam os pacientes, deixando-os morrer. Fiquei meio paranoico.
Havia algum tipo de divergência entre a médica e o médico rotineiro e minha atendente estava fazendo tudo para “castigar-me” por eu não me enquadrar no método de trabalho dela.
Pedi para a atendente desligar a reposição porque eu precisava ir ao banheiro urinar. Ele jogou um “papagaio” no leito e disse para urinar nele.
Respondi que não conseguiria urinar no papagaio e sempre tinha ido ao banheiro, ao que ela disse que o jeito dela trabalhar era diferente e era para eu fazer no papagaio e pronto.
Ameacei ligar para a médica e ela foi embora. Pouco depois veio outra atendente e me levou ao banheiro. Mais tarde minha atendente veio me dizer que só fazia o que lhe mandavam.
O clima ficou bastante tenso e senti um certo conluio entre a médica e a atendente para castigar-me pela ousadia de não me enquadrar na rotina delas.
Como havia marcado com meu filho vir buscar-me lá pelas 18 horas, liguei para ele vir um pouco mais tarde.
Do nada, a médica entrou na baia e perguntou porque eu achava que ela não iria cumprir o estabelecido de manhã. Falei que a atendente me havia dito isso.
Para meu azar, a reposição acabou às 19h10 minutos, dentro do período crítico de troca de turnos, já com outro médico de plantão. A médica tinha ido embora sem assinar a liberação e sem posicionar o médico e o enfermeiro que estavam entrando, das condições de minha alta da UTI.
O médico e o enfermeiro que estavam entrando, pareciam desconhecer as condições de minha iminente saída da UTI e aparentemente estavam relutantes em fazer a liberação sem a realização de todas as rotinas burocráticas.
Nenhum deles veio à minha baia no início do plantão deles.
Daí foi importante a intervenção da amiga que acompanhava o andamento de minha internação.
Ela posicionou os novos profissionais e insistiu que fizessem minha liberação nos termos estabelecidos entre mim, a médica do plantão anterior e o médico rotineiro.
Se não fosse a intervenção dela era provável que eu saísse da UTI bem mais tarde ou talvez só no dia seguinte.
Devo isso a essa grande amiga e várias outras coisas que ela fez, que tornaram menos desconfortável minha estadia nesse hospital.
Antes da liberação fizeram a retirada de sangue arterial para os registros da internação, pelo que me disseram.
Lá pelas 20h30 minutos estava tudo pronto para sair da UTI, quando a atendente informou que a cadeira de rodas estava com um paciente fazendo exames lá no subsolo e não sabia quando ia voltar.
Perguntou se eu me importava de ir na maca. Respondi que não me importava. Trouxeram a maca, mas era mais alta que a cama e não dava para subir nela pelo lado sem ajuda de mais gente.
Aí lembrei que a outra UTI devia ter uma cadeira de rodas. A moça foi lá e voltou com ela.
Às 21h10 cheguei no apartamento.
Lá foi outro nível. As atendentes eram muito profissionais e prestativas. Mantinham o protocolo sem pressão exagerada, respeitando minhas limitações físicas.
Ao tomar banho notei que meu corpo apresentava várias manchas avermelhadas, principalmente nas pernas e abdome. Minha pele estava rígida e brilhosa.
. Minha pele estava rígida, brilhosa e dolorida, principalmente nas costas e região lombar baixa.
Olhei no espelho e não reconheci meus olhos. Estavam da cor azul escuro e opacos. Meus olhos são castanho claro e brilhantes.
Continuei com a aplicação dos antibióticos e do remédio contra enjoo.
SEGUNDA-FEIRA – 07/03/2022
Todas os procedimentos transcorriam normalmente e as acomodações do acompanhante eram bem melhores, permitindo o revezamento de minha esposa e meus dois filhos, de forma que sempre havia alguém presente.
Uma grande amiga nossa também passava para ver como eu estava.
Quando fechava os olhos as visões eram de cor amarelada, em tons cada vez mais claros. Figuras semelhantes a girassóis, águas marinhas, diversos tipos de flores se moviam a mudavam a tonalidade do amarelo.
Comentei com minha esposa que, seu eu fosse pintor teria inspiração para dezenas de quadros, todos em tons amarelos. Deve ter uma explicação.
Meu índice de potássio já estava em 3,5 e o médico cogitou dar-me alta hospitalar nesse dia, devido à minha ótima condição física.
Minhas visões passaram a ser como grandes bolhas de sabão em tons azulados. Deve ter alguma explicação.

TERÇA-FEIRA – 08/03/2022
Meus rins e intestino estavam funcionando bem. Só sentia um pouco de dificuldade para urinar, com ou pouco de dor e ardência, mas de resto estava me sentindo muito bem.
No início da tarde o médico que me atendia decidiu liberar-me e saí do hospital lá pelas 16 horas de 8 de março de 2022.
CONSIDERAÇÕES
As visões passaram de figura com rostos disformes cor de sangue na UTI, para figuras da natureza em tons amarelos na primeira noite fora da UTI e balões coloridos em tons de azul na segunda noite no apartamento.

Aprendi que quem entra numa UTI, tem que se preparar para abrir mão de todas as suas vaidades, boa parte da privacidade e um pouco de sua dignidade. E olha que eu era um dos poucos em condições de contestar os procedimentos desconfortáveis do ambiente.
Para aguentar as agruras da UTI, a pessoa que entra tem que ter uma boa motivação externa para retornar à vida normal.
No meu caso, tinha todas as motivações para sair de lá. Uma boa esposa, boa família, filhos, noras e netos, amigos, todos morando no DF.
Deu para notar a existência de protocolos que os atendentes devem seguir, mas há uma grande diferença na maneira como eram seguidos de fato pelos médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem que atendem os pacientes.
Um dia li uma anedota sobre um leito de UTI cujos ocupantes tendiam a sobreviver bem menos tempo que os dos demais leitos. Intrigado, um médico resolveu investigar e descobriu que a moça da limpeza removia o plug dos aparelhos do leito para colocar o plug do aspirador de pó.
O pessoal fazia a limpeza sem qualquer acompanhamento de funcionários da UTI.
Havia dois tipos de pacientes na UTI em que fiquei: os que estavam tão doentes que corriam sério risco de morte e os que estavam doentes o suficiente para morrer se não tivessem um atendimento imediato e continuado. Meu caso foi o segundo.
Ouvi um funcionário solicitar que a paciente da baia 5 entrasse em contato com seu responsável para a assinatura de alguns papéis. Ela respondeu que estava ali sozinha e que não tinha qualquer outra pessoa para se responsabilizar por ela.
Ter algumas pessoas para suporte externo, além de visitar o doente, é muito bom para o bem-estar e tranquilidade do paciente.
As dores da aplicação de alguns remédios podem ser excruciantes, mas dá para tolerar, se houver esperança de cura.
Procurei manter minha mente ocupada com metas horárias e planejamento de alternativas caso fosse necessário tomar alguma decisão importante.
Tanto é que planejei redigir este relatório, o que estou fazendo dia 11/03/2022.
Os nomes que usei são fictícios, mas lembram de uma ou outra forma os personagens reais.
O caso com minha atendente de domingo me deixou muito apreensivo, pois ela tentava enquadrar-me na rotina dela em vez dela adaptar-se às minhas condições físicas. Ela queria porque queria colocar-me fraldão ou fazer-me usar o papagaio e a comadre.
Ela estava de mau humor por causa dos problemas do filho e eu havia contestado seus métodos e do nada ela me entrega um copinho com um líquido sem dizer nada.
Será que ela esperava que eu engolisse o líquido, causando-me algum distúrbio gastrointestinal como “castigo” por contestá-la?
O último dia na UTI, domingo, foi o mais estressante, porque percebi alguma forma de conluio tácito entre a atendente e a médica para que eu sofresse um pouco mais.
Tanto é que no final do dia a atendente se aproximou e disse que só fazia o que lhe mandavam. Achei estranho.
Médicos, enfermeiras, técnicas e auxiliares são seres humanos iguais a nós e carregam para dentro da UTI todo o seu histórico emocional, causando briguinhas de egos e disputas de poder e os pacientes sofrem as consequências dessas desavenças.
Em 2014, após sofrer um infarto, o escritor Ariano Suassuna teve alta do hospital e um repórter perguntou como ele tinha passado no hospital. Suassuna respondeu mais ou menos assim:
“Na minha vida já sofri fome, sofri frio, sofri calor, sofri dores, mas a dor mais sofrida que sofri foi a que sofri nessa tal de UTI”

A maioria das coisas que escrevi têm alguma base comprobatória pelos familiares que me acompanharam; outras podem ser fruto de minha imaginação, abalada por ingressar direto numa UTI, logo eu que nunca tinha sido hospitalizado.
Na alta hospitalar o médico recomendou retornar dentro de uns 10 dias para verificação da evolução, mas quando tentei marcar a consulta fiquei sem saber quem consultar e só havia vaga para meados de abril. A moça sugeriu que eu fosse novamente na emergência falar com o médico de plantão.
Acabei marcando consulta com a médica que me internou.
Na transição do antibiótico injetável para oral ficou confusa. Um médico recomendou começar 12 horas depois da última aplicação intravenosa, que seria às 3 da madrugada. Outro disse para tomar depois das refeições e na bula recomendava tomar logo antes das refeições. Acabei tomando a primeira dose 6 horas depois da última injetável, durante o jantar e depois do desjejum.
Reconheço que estou vivo e passando bem, graças às ações dos profissionais do hospital e do uso adequado dos melhores medicamentos e tecnologias disponíveis.
Se tivesse que definir o que é a UTI em que fiquei internado, diria tratar-se de um lugar de sofrimento, onde os profissionais usam remédios e tecnologia para ajudar o paciente a curar-se.
A impressão que tive é que o principal objetivo de cada equipe é seguir a rotina estabelecida, com o mínimo possível de distúrbios, dando aos pacientes uma perspectiva otimista de cura, até passá-los para equipe seguinte.
Acho ter sido decisiva a pronta e correta ação da médica que me atendeu no pronto-socorro e me encaminhou à UTI, com quem já marquei uma consulta no início de abril, principalmente para verificar se a infecção bacteriana realimente foi eliminada.
No geral, dos cerca de 20 profissionais (médicos, enfermeiras, técnicos e auxiliares de enfermagem) que me trataram na UTI, uns 12 mostraram muita empatia e me ajudaram muito para evolução favorável das minhas condições; uns 4 fizeram bem apenas o que está no protocolo, com uma certa indiferença em relação à evolução do meu tratamento e 4 foram muito hostis, me trataram mal e tentaram submeter-me aos seus próprios métodos de trabalho, mostrando um pouco de sadismo em relação ao meu sofrimento. Neste último caso estão uma médica e 3 técnicas de enfermagem.
Marquei consultas com urologista e cardiologista para verificação das minhas condições físicas.
Os nomes que usei são fictícios, mas lembram de uma ou outra forma os personagens reais.
Este registro foi planejado enquanto estava na UTI, com o principal intuito de manter minha mente ocupada planejando coisas que iria fazer quando saísse daquele lugar. Acho que me ajudou muito.
Luison Beneres
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NOTA
Recebi o texto acima de um amigo meu e achei interessante publicá-lo para que mais pessoas possam conhecer o que passa quem é internado numa UTI
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