Antecedentes e protagonistas do conflito na Ucrânia – Marco Travaglio

(03/07/2022)

É o reconto da história da Ucrânia e da Rússia, que é dita e ouvida e não foi iniciada em 24 de fevereiro de 2022, mais sim muito tempo antes.

Não obstante sua enorme produção de cereais, a Ucrânia é o segundo país mais pobre da Europa, depois da Moldávia, mas é um dos países mais armados do mundo. Antes de 24 de fevereiro era a 22a potência militar do mundo.

Na sua história sempre ou quase sempre fez parte da Rússia. Em 1917, quando explodiu a Revolução de Outubro, a Ucrânia foi dividida entre o Império Czarista e a Polônia. A União Soviética a reunificou e a tornou uma república socialista.

Em 1941, quando as tropas de Hitler marchavam em direção a Stalingrado, foram acolhidas como libertadoras e encontraram na Ucrânia milhares de colaboracionistas, para rastrear, depredar e deportar judeus para campos de concentração.

O ideólogo nazista Stepan Bandera se tornou um herói nacional. Ao final da guerra mundial, os americanos salvaram milhares de nazistas por serem antissoviéticos e Bandera pode fugir para Munique, sob nome falso, até ser descoberto e eliminado pela KGB.

1989

Façamos um salto. Em 9 de novembro caiu o muro de Berlim e a União Soviética começou a se dissolver.

1990

O Presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev, aboliu o partido único e liberou a realização eleições nas 15 repúblicas soviéticas.

Em quase todos os lugares o PCUS (Partido Comunista Soviético) perdeu e venceram os partidos reformistas, nacionalistas e pró-ocidentais, exceto na Ucrânia, onde venceram os comunistas.

A Alemanha Oriental se uniu à Ocidental e entrou para a OTAN, automaticamente e a Rússia não se opôs, desde que a Alemanha Oriental ficasse sem mísseis da OTAN e bases da OTAN.

Estados Unidos e OTAN prometem verbalmente a Gorbachev que a OTAN não se alargará nem uma polegada para Leste, declararam o ministro alemão, Hans-Dietrich Genscher, o secretário de estado americano, James Baker, o presidente americano George Bush e o secretário-geral da OTAN, Manfred Worner.

1991

Boris Yeltsin foi eleito presidente da Rússia. O Pacto de Varsóvia se dissolve, mas a OTAN não se dissolve e continua com função anti-Rússia. Mas os dirigentes políticos dos Ministérios do Exterior americano, inglês, francês e alemão se reúnem em Bonn e confirmam, essa vez por escrito, que a OTAN não se expandirá para Leste. O alemão Kronenberg, disse verbalmente, “Não estenderemos a OTAN além do rio Elba. Não podemos, portanto, dar à Polônia e a outros, o ingresso na OTAN“.

E o americano Saitz disse que “Esclarecemos à União Soviética que não tiraremos qualquer vantagem da retirada das tropas soviéticas da Europa Oriental”.

Foi realizado um referendo na Ucrânia e 71% dos eleitores votaram pela permanência na União Soviética. George Bush falou ao Parlamento Ucraniano e se enfureceu contra o nacionalismo suicida. baseado no ódio étnico, mas depois mudou de ideia e disse que a Ucrânia tem direito à independência.

Fazem um novo referendo na Ucrânia e desta vez, cerca de 90% da população vota pela independência da URSS, que se dissolve no final daquele ano.

Porém, a Rússia, Belarus e a Ucrânia, se unem e formam CSI (Comunidade de Estados Independentes).

1993

A Ucrânia e a Rússia começam a dividir a frota do Mar Negro e as bases militares. Suas economias passam do coletivismo comunista às privatizações selvagens. O Presidente comunista ucraniano Leonid Kravchuk é derrotado nas eleições por Leonid Kuchma, em posição de equilíbrio entre a Rússia e o Ocidente, graças às ótimas relações que Yeltsin estabelecera com o novo presidente americano Bill Clinton.

A Rússia se torna parceira da OTAN, mas a OTAN continua colaborando com a Ucrânia.

1997

Joe Biden, na época só um senador democrata do Delaware, futuro vice-presidente e depois presidente americano, declara ao Conselho Atlântico que juntar à OTAN os países bálticos seria o único movimento que arriscaria provocar uma resposta vigorosa e hostil de parte da Rússia e desequilibraria as relações entre a Rússia e os Estados Unidos.

1999

A OTAN começa a violar os pactos, convidando e englobando a Polônia, a República Tcheca e a Hungria, mesmo que a Rússia, de joelhos, não representasse qualquer ameaça. Moscou protesta, mas não tem forças para reagir.

O movimento da OTAN contra a Rússia e o ataque ao principal aliado de Moscou na Europa, a Sérvia, de Slobodan Milosevic, bombardeada por 11 semanas, sem qualquer mandato da ONU, com o balanço de cerca de 3 a 5 mil mortos, a maioria civis e um rio de refugiados. A OTAN não a chama de guerra, mas de “Operação de Ingerência Humanitária”. Yeltsin protestou.

Foi o primeiro sinal do que poderia acontecer se a OTAN chegasse à fronteira da Rússia. As chamas da guerra poderiam queimar por toda a Europa. Mas Yeltsin não tem a força, também dessa vez, de reagir, pois está velho e doente e suas insensatas liberalizações recomendadas pelo Fundo Monetário, colocou seu país de joelhos.

Depois Yeltsin designa como Primeiro-Ministro, o chefe dos serviços secretos, Vladimir Putin, que no fim do ano o substituirá como Presidente.

Em 10 anos, Putin conseguirá realizar o resgate econômico e estratégico da Rússia, ao custo de muita opressão e repressão a seus opositores.

2004

A OTAN engloba também a Bulgária, a Estônia, a Letônia, a Lituânia, a Romênia, a Eslováquia e a Eslovênia. Em Munique, num famoso discurso, Putin reclama contra o Ocidente, que tem violado os pactos de 1989/1990.

O presidente ucraniano, Viktor Yuschenko, dissolve os parlamentos contra o Primeiro-Ministro Viktor Yanukóvytch, que tinha tentado limitar seus poderes, convoca eleições antecipadas e bate o partido pró-Rússia, aliando-se com a outro líder da extrema-direita, Yúlia Timochenko e a designa como Primeira-Ministra e em 2010 ela promoverá o nazista Stepan Bandera a herói nacional.

2008

Com promoção de George W. Bush, a OTAN reúne sua cúpula em Bucarest e anuncia que logo a Ucrânia e a Georgia se tornarão membros da OTAN. Putin comenta ser isso uma ameaça direta à Rússia. A Georgia ataca a república separatista pró-Rússia da Ossetia do Sul e a Rússia intervém militarmente e, como já está lá, invade também a outra república separatista. a Abecásia. Em 10 dias, as tropas georgianas foram afugentadas pelos russos até fora da fronteira.

2009

A OTAN engloba também a Albânia e a Croácia.

2010

O ex-Premier pró-Rússia, Yanukóvytch, se vinga contra a Timoshenko ao vencer as eleições presidenciais, se torna chefe do Estado e abre diálogo com a União Europeia para fazer entrar a Ucrânia.

A Timoshenko será depois condenada a 7 anos, por malversação de fundos públicos e abuso de poder.

2013

O Presidente Yanukóvytch, por causa das cláusulas muito rígidas impostas pelo Fundo Monetário, em troca de empréstimos, reformas impopulares, como o aumento de impostos e outras coisas, não assina o acordo entre a Ucrânia e a União Europeia. Como recompensa por isso, Putin reduz o preço do gás à Ucrânia e lhe empresta também 15 bilhões de dólares. Mas, os americanos também querem comprar a Ucrânia, fomentando revoltas nas praças e concedendo vultosos financiamentos.

O presidente Barack Obama envia a Kiev Victoria Nuland, assistente do Secretário de Estado John Kerry, para assuntos europeus e asiáticos. Ela já havia servido a diversos patrões, como por exemplo, Bush e agora serve a Obama e no futuro servirá a Biden. Ela é a “alma negra” dos americanos na Ucrânia. De fato, ela declara: “Nós, americanos, investimos 5 bilhões de dólares para dar à Ucrânia o futuro que merece. Ela decide qual é futuro.

Logo depois, explode em Kiev a revolta da “Euro Maidan” (Euro Independência), contra Yanukóvytch e a favor do ingresso na União Europeia.

2014

Os primeiros 2 meses do ano são assinalados por violentos e sangrentos protestos nacionalistas na “Praça Maidan”, com a ajuda de milícias neonazistas, que tornam impotente a polícia e no final constringirão o presidente, recém eleito, Yanukóvytch, a demitir-se e a se refugiar em Moscou.

Pouco depois é publicado no Youtube, talvez pelos serviços secretos russos, um telefonema interceptado entre Vitoria Nuland e Geoffrey Pyatt, embaixador americano na Ucrânia. Os dois já sabiam que Yanukóvytch vai cair e estão decidindo qual de seus opositores serão designados Premier ou os ministros do futuro governo.

O embaixador diz que seria necessário consultar a União Europeia, mas a Nuland grita: “Foda-se a UE!” “Foderemos a União Europeia” ou “Que se foda a União Europeia!” A Merkel e o Presidente do Conselho da União Europeia, Herman Van Rompuy, protestam pelas palavras absolutamente inaceitáveis, mas não porque os americanos estão decidindo o governo e o futuro da Ucrânia, como se ela fosse uma colônia deles.

No entanto, a leste, no Donbass, se revoltam os separatistas pró-Rússia, apoiados pelos russos.

A Crimeia se proclama independente e com um referendo vencido pelo “sim” com 96% se une à Rússia.

Em Kiev, as novas eleições presidenciais, são vencidas pelo pró-ocidental, Petro Porochenko, um oligarca, rei do chocolate, ex-banqueiro central e proprietário da TV “Canal 5”, que prometeu o “apartheid” para os “russófilos”. “Nós teremos empregos, eles não!” “Nossos filhos irão à escola, os filhos deles ficarão nos porões”, proclama ele.

A sua nova aliada, Timochenko, recém desencarcerada, pediu, em vez disso, que deveriam “matar esses malditos moscovitas e de atacá-los com bombas atômicas”.

No novo governo, pró-americano, existem pelo menos 4 ministros neofascistas, sendo seu primeiro ato a abolição do idioma russo como segunda língua oficial, um “status”, que agora será reservado somente ao idioma ucraniano, num país onde 35% dos habitantes são russófonos.

Em 12 de maio, milicianos neonazistas e ativistas ultranacionalistas, marcham contra a cidade de Odessa, desencadeando violentos choques contra os russófonos e incendeiam a sede da Prefeitura, onde estavam refugiados dezenas de filorussos. Morrem pelo menos 42 pessoas, sendo 3 delas queimadas vivas e 10 saltando pelas janelas na tentativa de salvar-se. Mas os filorussos falam de mais de 150 mortos e centenas de feridos e queimados.

No referendo pela independência das autoproclamadas “Repúblicas do Donbass”, o Donetsk e Lugansk, vence o “sim”, mas só a Rússia os reconhece. Como Kiev manda suas tropas, Moscou também manda as suas.

Ao final do ano, os acordos de Minsk, patrocinados pela OSCE (Organização de Segurança e Cooperação Europeia), preveem o cessar-fogo, troca de prisioneiros e empenho da Ucrânia a dar maior autonomia ao Donbass. Mas o presidente Porochenko os viola logo com uma enorme “operação antiterrorismo” e a Rússia sustenta os separatistas.

É decisivo o papel, ao lado das tropas de Kiev, dos ultranacionalistas do “Pravy Sektor” (setor de direita) e dos neonazistas do “Batalhão de Azov”, que no culto a Stepan Bandera, exibem símbolos e tatuagens com suásticas, mais ou menos estilizadas.

Quando encurralaram os filorussos em Mariupol, o Batalhão AZOV é integrado à Guarda Nacional Ucraniana de Porochenko, que na cerimônia de integração os define como “os nossos melhores combatentes voluntários“. Tem início a longa guerra civil no Donbass, um conflito por procuração, entre tropas ucranianas, financiadas e armadas pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha e os separatistas, sustentados por Moscou.

Balanço: em 8 anos, pelo menos 14 mil foram mortos, dos quais cerca de 4.800 são civis e 200 mil refugiados em direção à Rússia.

2015

São celebrados os “Acordos de Minsk II”, entre a Rússia e a Ucrânia, dessa vez garantidos por Franças e Alemanha, prevendo um Estatuto especial para o Donbass e uma zona desmilitarizada entra a Ucrânia e Rússia. Mas a guerra civil continua sem parar.

2017

Também o Montenegro entra para a OTAN.

2019

O presidente ucraniano, Porochenko, faz uma emenda à Constituição, para comprometer a Ucrânia a entrar na OTAN e na União Europeia. mas logo depois perde as eleições presidenciais. O novo presidente é Volodymyr Zelensky, um comediante russófono, que se passa como dialogante com Moscou.

Logo que foi eleito, Zelensky prometeu ao Parlamento, promover o fim da guerra civil no Donbass. mas nunca deu ordens para suas tropas de cessarem o fogo. Em compensação, decreta uma ofensiva militar para reconquistar a Crimeia e reafirma o pedido à OTAN da entrada da Ucrânia na OTAN, o quanto antes.

2020

A OTAN engloba também a Macedônia do Norte.

2021

Zelensky confisca as televisões de oposição, ligadas ao partido “Opposition Plataform for Life”, do oligarca filorusso Viktor Medvedchuk, que será depois preso durante a guerra, junto com a colocação como ilegais de todos os 11 partidos de oposição. A União Europeia protesta e Zelensky pede à OTAN para acelerar o ingresso da Ucrânia, para enviar um sinal real a Moscou, porque diz ser a OTAN a única solução para acabar com o conflito. Putin ameaça com consequências e desloca 100 mil soldados na fronteira ucraniana.

Em 14 de junho, a cúpula da OTAN se reúne em Bruxelas e reafirma o sustento às aspirações da Ucrânia de entrar na Aliança Atlântica.

Em setembro de 2021, a OTAN realiza 3 imponentes exercícios militares na Ucrânia, que, no entanto, não faz parte da OTAN. Moscou reponde com exercícios conjuntos com a aliada Belarus.

Em primeiro de dezembro de 2021, Putin pede garantias de que a Ucrânia não entre na OTAN, “porque isso comportaria haver mísseis americanos no pátio de nossa casa”, declarou ele.

Washington responde logo com “Portas abertas para a Ucrânia entrar na OTAN“.

Estamos em 2022. Em 19 de janeiro, o presidente americano, Joe Biden, anuncia ajuda militar a Kiev, de 200 milhões de dólares e por um mês, anuncia todo os dias, como se a desejasse, a iminente invasão russa à Ucrânia. Em 7 e 8 de fevereiro, o presidente francês Macron, numa extrema tentativa de mediação, clama a Kiev e Moscou, o empenho a respeitarem os acordos de Minsk. Zelensky o confirma numa conferência ao lado dele, mas no dia seguinte muda de ideia e anuncia que não respeitará os pactos de Minsk.

Em 10 de fevereiro, Rússia e a Belarus realizam manobras militares conjuntas. Em 19 de fevereiro, outra tentativa de mediação desesperada, do Chanceler O Alemão, Olaf Scholz, que chama Zelensky, para pedir que esconjure a guerra, declarando a neutralidade da Ucrânia e a renúncia à OTAN, em troca de um amplo acordo de segurança para a Ucrânia e para toda a região, assinado por Putin e Biden, mas Zelensky nega, dizendo que não se pode confiar em Putin.

Em 21 de fevereiro, Putin atende uma decisão da Duma, o Parlamento russo, de reconhecer as repúblicas autônomas de Donetsk e Lugansk. Zelensky faz piadas sobre a invasão, em que não acredita. Mas as suas forças armadas com um terço delas alinhadas para a Crimeia, intensificam os bombardeios sobre a Donbass.

Em 22 de fevereiro, Donetsk e Lugansk pedem ajuda a Moscou contra a agressão das forças armadas ucranianas e em 24 de fevereiro, a armada russa invade a Ucrânia.

 E agora temos que falar disso

Marco Travaglio

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NOTA

O texto acima foi extraído das legendas deste vídeo publicado no Rumble, legendado por Luigi Benesilvi. O vídeo original tem 23 minutos e foram retirados deles alguns trechos que tratam de geopolítica internacional, narrativas de prisões e torturas praticados pelas forças ucranianas e russas, assim como várias disputas políticas internas da Ucrânia.

Foram pesquisados vários documentos relativos aos tratados mencionados no texto, “Minsk Accords”, “Bucharest Summit”, “Russia x Ukraine Friendship”, “Ukraine-Russia Crisis” e alguns outros.

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